Enquanto o Ocidente começa a viver a experiência claustrofóbica do confinamento — medida necessária para conter a disseminação da covid-19 —, os relatos vindos da China pintam um quadro de que a vida está, aos poucos, voltando ao normal.
Enquanto o Ocidente começa a viver a experiência claustrofóbica do confinamento — medida necessária para conter a disseminação da covid-19 —, os relatos vindos da China pintam um quadro de que a vida está, aos poucos, voltando ao normal.
Mas a quarentena forçada deixou algumas consequências inesperadas. Muitos casais parecem não ter resistido à proximidade em tempo integral. A mídia chinesa identificou uma corrida aos cartórios por aqueles que não pretendem seguir juntos.
Xi’am, de 12 milhões de habitantes, capital da província de Shaanxi, região central da China, registrou um recorde no número de pedidos de divórcio nas últimas semanas, segundo o jornal chinês em língua inglesa The Global Times.
Em alguns distritos, todos os horários disponíveis para tratar do tema nos escritórios locais do governo estão tomados por semanas.
Outros sites também indicaram haver relatos de uma procura acima da média em cartórios de municípios de outras províncias, como a de Sichuan, por formulários de divórcio.
Nas redes sociais, a notícia não chegou a causar surpresa entre os chineses. “É muito tempo junto. Eu tenho visto cada vez mais histórias sobre separações. Muitas piadas também. Mas o problema parece sério”, disse à BBC News Brasil, Ge, uma professora de 29 anos. Ela própria não é casada. E diz imaginar o estresse de estar sob o mesmo teto neste momento de muito estresse econômico e perguntas sobre o futuro.
“Grandes episódios como este fazem as pessoas pensar mais nas suas vidas e o que realmente interessa”, afirmou à BBC News Brasil a escritora Lijia Zhang, autora de A garota da Fábrica de Mísseis: memórias de uma operária na nova China. “É verdade também que os casamentos que sobreviveram à quarentena devem seguir mais fortes!”, complementa.
É cedo para entender o que está acontecendo — e se o fenômeno se observará nacionalmente e mesmo em outros países que adotaram medidas de confinamento. Além disso, os cartórios estiveram fechados durante cerca de um mês, o que cria uma demanda reprimida. E os chineses já vinham se divorciando em um ritmo mais acelerado nos últimos anos.
Em 2016, o número de casais que se separou na China chegou a 4,2 milhões, um aumento expressivo em relação a 1985, quando a taxa não passava de 485 mil.
As leis mudaram no país nos últimos anos. Têm se adaptado aos novos tempos. Hoje, 70% dos divórcios já seriam pedidos por mulheres no país, segundo Zhou Qiang, presidente da Suprema Corte do Povo durante discurso proferido em novembro passado. Foi garantido esse direito às mulheres ainda em 1950, quando o partido comunista chinês criou a Nova Lei do Casamento.
“Fiz um brinde com a minha filha quando soube da notícia. Considero isso uma conquista de liberação das chinesas, porque elas estão mais assertivas ao buscar o que querem. Já não estão mais dispostas a aceitar um casamento infeliz, como as nossas mães fizeram”, disse Lijia Zhang.
Mas o fato é que os chineses também estão se casando menos. Apenas 7,2 pessoas em 1 mil resolveram juntar as escovas de dente oficialmente em 2018. Trata-se do índice mais baixo desde 2013, segundo o Escritório Nacional de Estatísticas do governo. Pesquisa realizada pelo Diário do Povo mostra que 29,5% dos entrevistados não tinha se casado porque não haviam encontrado a pessoa certa. Outros 23,4% afirmaram não estar preparados para assumir a responsabilidade de começar uma família.
Neste contexto, as separações provocadas pelo coronavírus certamente não ajudam o governo, que acabou, em 2016, com a longeva política do filho único, adotada na década de 1970. Pequim agora quer mais é que os chineses tenham mais filhos. O problema é que os jovens, e sobretudo mulheres, acham caro aumentar a família e estão mais preocupados em investir em suas carreiras profissionais.
Dados da Comissão Nacional de Saúde da China indicam que o país terá 487 milhões de idosos em 2050, cerca de 35% da população total. Em 2018, a taxa estava em 17,3%, ou 242 milhões de pessoas.